(Fundamento: Art. 5º CF/88, inciso 56)
É proibido no processo penal o uso das provas ilícitas, compreendidas aquelas obtidas por meio de violações a normas legais e/ou constitucionais, quando a sua produção for condicionada à autorização judicial. Vejamos:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4o (VETADO)
§ 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.
Pela leitura do dispositivo acima, pode-se perceber a menção a dois tipos de provas ilegais (gênero), as chamadas Provas Ilícitas e as chamadas Provas Ilegítimas (espécies), que apesar de aparentarem receber o mesmo tratamento pelo legislador, acarretam efeitos diferentes, como didaticamente se segue:
PROVA ILÍCITA | PROVA ILEGÍTIMA |
VIOLA REGRA DE DIREITO MATERIAL/ MOMENTO DA OBTENÇÃO DA PROVA/ GERA INADMISSIBILIDADE | VIOLA REGRA DE DIREITO PROCESSUAL/ A PROVA É PRODUZIDA DE MANEIRA INCORRETA/ GERA NULIDADE |
Assim, pode-se extrair que do gênero “prova ilegal”, derivam as provas ilícitas e as provas ilegítimas, cada qual com sua particularidade, sempre em violação de algum direito, seja ele material ou processual.
Leciona acertadamente Fernando Capez:
Desse modo, serão ilícitas todas as provas produzidas mediante a prática de crime ou contravenção, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou Administrativo, bem como aquelas que afrontem princípios Constitucionais. Tais provas não serão admitidas no processo penal. Assim, por exemplo, uma confissão obtida por meio de tortura (Lei n. 9.455/97), uma apreensão de documento realizada mediante violação de domicílio (CP, art. 150), a captação de uma conversa por meio do crime de interceptação telefônica (Lei n. 9.296/96, art. 10) e assim por diante (CAPEZ, Fernando, 2014, p. 370).
Para além dessa classificação doutrinária, outra constatação relevante no que diz respeito às provas ilícitas, é a existência e adoção pelo STF da teoria dos frutos da árvore envenenada, juridicamente também conhecida por “teoria das provas ilícitas por derivação”, como sendo aquelas originadas de informação ou prova anterior, já ilícita em sua origem (ex: confissão obtida mediante tortura).
Afirma o STF, em seu Informativo nº 35:
Frutos da Árvore Envenenada
Examinando novamente o problema da validade de provas cuja obtenção não teria sido possível sem o conhecimento de informações provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz – prova que o STF considera ilícita, até que seja regulamentado o art. 5º, XII, da CF (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”) -, o Tribunal, por maioria de votos, aplicando a doutrina dos “frutos da árvore envenenada”, concedeu habeas corpus impetrado em favor de advogado acusado do crime de exploração de prestígio (CP, art. 357, par. único), por haver solicitado a seu cliente (preso em penitenciária) determinada importância em dinheiro, a pretexto de entregá-la ao juiz de sua causa. Entendeu-se que o testemunho do cliente – ao qual se chegara exclusivamente em razão da escuta – , confirmando a solicitação feita pelo advogado na conversa telefônica, estaria “contaminado” pela ilicitude da prova originária. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, que indeferiam o habeas corpus, ao fundamento de que somente a prova ilícita – no caso, a escuta – deveria ser desprezada. Precedentes citados: AHC 69912-RS (DJ de 26.11.93), HC 73351-SP (Pleno, 09.05.96; v. Informativo nº 30). HC 72.588-PB, rel. Min. Maurício Corrêa, 12.06.96.
Assim, e em razão desta vedação e distinção, ao menor resquício de ilegalidade da prova, deve-se constatar se tratar de prova ilícita, ilegítima ou derivada e, uma vez concluída a análise do feito, suscitado o seu desentranhamento ou declaração de nulidade nos autos.
Uma terceira observação pertinente a ser feita sobre a matéria, recai sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade (de caráter constitucional, implícito), de origem Alemã, em que se reconhece em alguns casos, a maior relevância da prova do que a do direito a que se pretende proteger.
Sobre tal, cabem algumas considerações.
A aplicação do princípio à matéria das provas ilícitas somente pode ser cogitada quando pro reo, ou seja, quando a sua utilização puder favorecer ao acusado, em legítima defesa. Situação em que são aplicados os princípios favor rei e ampla defesa ao acusado que infringe norma legal para a produção de prova ilícita em seu favor, atuando em excludente de ilicitude. Em outras palavras, trata-se de exceção à regra, em que pode ser utilizada a prova ilícita para beneficiar o réu.
Em contraponto, uma doutrina minoritária defende a utilização do princípio da proporcionalidade pro societate, ou seja, quando em casos graves, a prova ilegal possa ser utilizada em desfavor do réu. O que não é aceito, por se considerar que o Estado já possui inúmeros instrumentos legais de produção de prova.
Além disso, mas também na discussão da admissibilidade em razão da proporcionalidade ou não do uso da prova, surge o Princípio da Serendipidade, que nada mais é que o chamado “encontro fortuito de provas”.
Trata-se por exemplo, da situação em que é deferida pelo juiz interceptação telefônica para a apuração de determinado fato X, e acaba-se descobrindo a provável ocorrência de um fato Y, seja pelo mesmo autor ou por terceiro.
Nesses casos e em acordo com a jurisprudência do STJ, as provas acidentais, mesmo quando carentes de conexão, tem sido admitidas em razão da busca pela verdade real e o livre convencimento do juiz. O que não dispensa o estudo sobre os seus graus pelo advogado, como apresentado a seguir.
A serendipidade de primeiro grau defende que a prova fortuita possa ser válida quando houver cumulativamente: a) conexão ou continência; b) houver a comunicação imediata para a autoridade judicial da revelação do fato; e c) quando o juiz aferir que o fato possui desdobramento com o ilícito já investigado.
Já a serendipidade de segundo grau, visa a invalidez da prova, que poderá se constituir, entretanto, como MEIO DE PROVA, ou seja, poderá ensejar novas investigações, como uma espécie de noticia criminis.
Por fim, e não poderíamos deixar de mencionar a alteração trazida pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), foi incluído no art. 157 do Código de Processo Penal o § 5º, que assim dispõe: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”.
ATENÇÃO: Com a inclusão do parágrafo 5º do art. 157 do Código Penal, o Juiz que tiver acesso à prova ilegal (gênero) e conhecer de seu conteúdo, NÃO PODERÁ proferir a sentença! |
O que representa um avanço à adoção de um legítimo sistema processual acusatório, impedindo a “contaminação” do juiz e consequentemente a quebra de sua imparcialidade julgadora.
Karen César Drumond Viana