A PROVA PENAL E A CADEIA DE CUSTÓDIA

O Direito Processual Penal, através de sua instrumentalidade característica, possui fundamental importância para a limitação do poder punitivo Estatal (jus puniendi); seja por meio da definição de regras ao jogo processual, ou – e principalmente – através da garantia e acesso a direitos do investigado ou acusado, que a ele se sujeita.

Dentre esses direitos, destaca-se o de Efetivo Direito à Defesa (ou Defesa Técnica, corolário da Ampla Defesa, disposto no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988), através do qual é assegurado ao cidadão investigado ou acusado pela prática de crime a participação ampla e o acompanhamento da produção de provas, por meio, inclusive, de defesa técnica e de qualidade por profissional habilitado (advogado constituído, defensor público ou advogado dativo nomeado pelo Estado/União).

Sobre o acompanhamento de produção de provas, especificamente, apesar de poder ser realizado de diversas formas, encontra sua expressão máxima na Cadeia de Custódia, matéria processual há longo reconhecida e aplicada, mas somente regulamentada no último ano, através da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

Trata-se, basicamente, da soma de variados procedimentos que garantem a custódia das provas levadas ao processo, isto é, sem que intervenha qualquer vício de legalidade, como alterações, manipulações e até mesmo eventuais substituições da prova. Conceitua o novo art. 158-A do Código de Processo Penal:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Em outras palavras, através da Cadeia de Custódia, visa-se a garantia da idoneidade do material coletado, considerados não somente aqueles produtos de perícia criminal, mas também todos os procedimentos adotados, seja pela delegacia de polícia civil ou pelos próprios policiais militares quando em participação na investigação ou flagrante, por exemplo, quando da coleta de algum provável instrumento do crime.

A manutenção da cadeia de custódia ocorre pela aplicação de métodos passíveis de rastreamento posterior, como se elos de uma corrente fossem, podendo ser seguidos até a sua origem, e por isso a expressão.

Assim, torna-se possível obter todo o histórico daquele elemento de prova, incluindo-se dados como: quem esteve em contato com o material, as pessoas responsáveis ou que poderiam ter acesso a ele, as datas e locais em que foi armazenado, se houve alguma necessidade de transporte do material, se sim, como foi realizado, se houve o adequado acondicionamento e, principalmente, se aquele é, de fato, o material originalmente encontrado/produzido.

Isso porque a inalteração do material, é imprescindível para a validade da prova. Caso em que, havendo a “quebra da cadeia de custódia”, ou melhor, a alteração significativa de sua substância original, aquela poderá ser anulada e consequentemente considerada inexistente, em termos processuais.

Compreendidas a sua fundamentação, aplicabilidade e efeitos, torna-se mister frisar que a garantia da cadeia de custódia não se restringe às provas materiais, como vestígios de sangue, sêmen ou munição; mas também engloba as provas digitais, como vídeos, interceptações telefônicas ou fotografias digitais, além de outros que porventura decorrerem do desenvolvimento de novas tecnologias, como bem estipulado pelos artigos 158-A a 158-F, do Código de Processo Penal.

Para essas, aplicam-se tanto as regras gerais anteriormente mencionadas, quanto a norma ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013, que trata dos procedimentos de identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências digitais; além do Procedimento Operacional Padrão, publicado em setembro de 2013, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, com o objetivo de padronizar os procedimentos periciais em âmbito nacional, dentre eles os de informática forense.

Por fim, conclui-se que são diversos os possíveis elementos de provas, formas de armazenamento e diplomas aplicáveis à matéria; sendo fundamental a verificação, pela defesa, da idoneidade de todos os elementos de convicção, e que, em havendo a quebra da cadeia de custódia da prova, lhe seja concedida a anulação da mesma.

Vítor Monteiro Mota